quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Em busca do tempo perdido

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010 0
Alguns "cultos" adoram citações. Elegem um escritor aforista, que pode ser Oscar Wilde, ou Clarice Lispector, ou, mais recentemente, Caio Fernando Abreu, e vivem a reproduzir seus trechos curtos de fácil assimilação e notadamente impactantes. Os tempos atuais combinam com essa coisa brevíssima e urgente.

O fato é que poucos encaram os "monumentos". Estou para conhecer quem tenha lido Os miseráveis, de Victor Hugo (não, não vale ter visto o musical), ou mesmo Ulisses, de James Joyce. Nesses casos, a leitura é uma vertigem. Não se senta de frente ao computador por algumas horas para colher frases de efeito. Tais livros, em suma, se apropriam, por alguns meses, da própria alma do leitor, forçando-o a uma evolução maiêutica, um parto prematuro cuja experiência não é, necessariamente, prazerosa do início ao fim. De qualquer modo, eu não gosto de quem eu era antes da leitura dos meus principais monumentos. E isso basta.

Por isso acabo de adquirir um outro. Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust, promete ser uma jornada fascinante em busca do Tempo e da Memória, dos amores que se esquecem, das saudades que adormecem, das recordações enterradas em uma sei lá inconsciência necessária para que possamos seguir em frente, mas que se nos despertam involuntárias pelo sabor de um biscoito, pelo aroma de um perfume, transbordando-nos, subitamente, de uma alegria com sabor de eternidade.

Os monumentos não nos dão respostas a nada. Eles apenas roubam nossa inocência, nossa juventude, e nos abandonam menos sozinhos do que antes; sem respostas, mas com as dúvidas certas. Aliás, uma maneira mui elegante de se levar a vida.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Carpe diem

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010 1


Há dias em que tudo carece de inspiração. Então você inventa de comprar uma roupa de que não precisa, lembrar de um ex que lhe não faz falta, planejar seu futuro para os próximos mil anos.

Por mais que se apregoe por aí o epicurismo do carpe diem, convenhamos que seus sectários são pessoas, em suma, de bastante pouco talento, principalmente em perceber como suas ações do hoje -- ou o adiamento delas -- afetarão completamente sua vida amanhã, por mais incerta que esta se lhe apresente. Carpe diem virou desculpa para adiarmos nosso futuro.

Por isso também tenho a ligeira impressão de que tais pessoas estão presas num dia qualquer, e sempre no mesmo dia, ávidas por curti-lo e nunca sinalizando para algo que pareça melhorá-las, evoluí-las. Vejo os mesmos amigos de antes envolvendo-se com as mesmas pessoas ruins de antes, sofrendo as mesmas dores de antes. Mudam-se as peças, mas o jogo é o mesmo, e eu fico me perguntando o porquê de não terem aprendido com o passado. E eis que tudo é porque não há, justamente, passado nem futuro, há apenas um dia infinito que não se pensa.

E, de tanto aproveitar o dia, a noite ficou sem casa.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Sobre o cinismo

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010 0
Diógenes de Sínope começou como um teimoso. Queria porque queria ser discípulo de Antístenes, mas este não queria discípulos. A insistência, porém, venceu a fortaleza, e o jovem aprendiz acabou sendo acolhido pelo mestre.

O rapaz cresceu e fundou o cinismo, que acabou servindo como uma luva para as agonias de uma Atenas subjugada por Alexandre Magno, o Grande, o Conquistador.

Diógenes levou uma vida simples, vestia-se maltrapilho, e foi com ele que Chaves aprendeu que se podia muito bem viver dentro de um barril. Assim era Diógenes, alheio às convenções sociais e pronto mesmo para interromper uma figura tão notória como já se fazia a de Platão, em pleno discurso enfarado de especulações metafísicas, somente para questioná-lo da ausência do homem entre tantos pensamentos sublimes.

Mas foram com Alexandre Magno os embates que melhor traduzem o espírito do cinismo, escola tão em voga nos dias de hoje. Contam as narrativas da era helenista que certa vez Diógenes estava tomando sol no Craneu quando Alexandre se aproximou. O Conquistador, que já conhecia a influência daquele homem entre os gregos, disse-lhe: "Pede-me o que quiseres." Diógenes, o Cínico, simplesmente respondeu: "Se me queres fazer algo, sai da frente do meu Sol."

Engana-se quem imagina que Alexandre ficou irado com a resposta. Antes, ela o impressionou muito. Ouvindo seus oficiais zombarem da atitude daquele homem, o Grande retorquiu: "Se eu não fosse Alexandre, queria ser Diógenes."

Diógenes representa hoje o não curvar-se para o mundano, para as riquezas, para os poderosos. Mais: deu mostras de como sobreviver em mundo de tanta hipocrisia, de tantas falsas promessas, e de como depender apenas do umbigo para alcançar a virtude. Esta mesma que só necessita do Sol para florescer livre e maravilhosa.
 
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