quarta-feira, 30 de junho de 2010

Allen Ad Eternum

quarta-feira, 30 de junho de 2010 0



Woody Allen já está na estrada há mais de 40 anos e, apesar de seus tropeços, é tocante como ainda não mostra sinais de que vai parar -- ou mesmo diminuir o ritmo de sua produção --, e como ainda pode desfilar momentos de genialidade muito acima da média dos jovens diretores de nosso tempo.

Grande presença em Cannes este ano, ele há muito tornou-se um tipo de caricatura de si mesmo, franzino e de óculos de aros grossos, sempre com aquele ar melancólico de um senil aparentemente inofensivo. Mas que não se enganem! Ele é uma metralhadora implacável. Perguntado, na coletiva de imprensa, sobre o que ele pensava sobre a morte (jornalistas são mesmo um prato cheio para o humor, não?), ele foi fiel ao estilo que o consagrou em vida:

A morte? Sou totalmente contra.

Neste novo filme -- Whatever works --, cujo roteiro (dele próprio!) data originalmente de 1977, ele também é preciso ao optar por uma direção discreta. Opção que passaria por natural, caso eu não tivesse acabado de sair de uma sessão de "cinema emo" (Os famosos e os duendes da morte), filme brasileiro de "sensações" que pareceu ter nascido apenas para provar o talento do debutante diretor em mexer com filtros, granulados e silêncio. E este último elemento deveria ter sido mais explorado, visto que o filme não tinha mesmo muito a dizer. Ser sensível, para muitos, é apenas sugerir que, em algum ponto d'alma, existe uma profunda inteligência e compreensão de tudo e de todos, quando na verdade é apenas um desalento fruto da própria inércia existencial.

Woody Allen, ao contrário, não apenas sugere, como disseca graciosamente, e com verborragia muitas vezes excessiva, essa miséria humana encantadora. E nem por isso é de todo pessimista. Para ele, sempre há uma forma de libertação (ele é totalmente contra a morte, ok?), e é isso justamente em que consiste sua comédia: mesmo marchando rumo à autodescoberta e, por consequência, à sua libertação, o ser humano é um perfeito estúpido, sempre amarrado à "sorte" de um destino que não prima pela justiça ou coerência.

Portanto, antes de apreciar emos entediados masturbando-se no chuveiro, ou pegar-se chorando pela sensibilidade oca e poética de um Universo cruel e safadinho, busque compreender que tudo faz parte de uma grande farsa idealizada por homens tão estúpidos quanto você, mas que tiveram (ou não?) muito mais "sorte".

Como diz o protagonista rabugento do filme, ao derrubar a quarta parede e apontar o dedo para a plateia, todos ali -- e olha que havia muita gente "cabeça", viu?! -- tinham acabado de comprar ingressos para que algum produtor de Hollywood pudesse aumentar sua piscina.

Que ele construa um parque aquático no quintal, se ao menos me devolver um novo filme de Woody Allen.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Sobre fé e ignorância

segunda-feira, 21 de junho de 2010 0
Alguns nascem com uma confiança natural no mundo. Minha mãe, portanto, não achou outra coisa senão alegria quando soube que aquele adstringente comprado na farmácia saíra com três reais de desconto.

O filho, este que voz escreve, no mesmo instante pegou da sacolinha e, observando a traseira do produto, foi atentar certeiramente na data de validade deste -- janeiro de 2010 --, como já soubesse, instintivamente ou de lições dolorosas, o motivo por que desvalorizam tudo neste mundo e nesta vida: passou-se o seu tempo, oras!

Não discorro sobre esse juízo, que nos já soa tão natural e definitivo, mas digo que a mãe, entristecida e colérica, quis logo reclamar seus direitos, enquanto me detive um passo atrás, deixando-me pegar pelo próprio gênio, cuja melancolia -- percebi -- não mais se deixa levar por "pequenas cortesias", mas antes procura nelas as intenções piores. E por que enxergo algo de tão trágico nisso? Algo de tão triste? Por que não apenas reproduzir a ignorância de minha mãe e darmos mão à felicidade?

O produto foi trocado. A mãe, ainda mais alegre por ter praticado um direito do consumidor, não reparou que o filho ao lado se angustiava em uma busca muito menos secular, mas não menos dilacerante: a validade de sua própria fé.

www.youtube.com/watch?v=rpbk8GYvqqc&feature=player_embedded#!

domingo, 6 de junho de 2010

No tempo que for...

domingo, 6 de junho de 2010 0
Dizer muito é dizer com os espaços em branco.

É fazer notar tua presença pela falta que tu fazes.

Tua lembrança pelo esquecimento dos que vieram depois de ti.

É fazer notar teu verso pela ausência brusca de rima.

Tua música pela falta de ritmo,

pelo jeito desastrado dos passos,

pela eternidade tocante das notas improvisadas.


Tenta convidar o Amor a sentar-se ao piano
e joga à sua frente uma partitura qualquer,
de um compositor qualquer.
O Amor, bobo nem nada, estalaria os dedos,
fecharia os olhos à plateia
e -- alheio à sonata dos séculos --
tocaria somente os corações...

Os conservadores o vaiarão por tamanho desrespeito
os sem-coração dirão tratar-se de um aventurado sem propósito
e os eternamente apaixonados entreolhar-se-ão suspirantes e calados
como houvessem prestigiado a manifestação repentina
de um amor acontecendo
em uma linguagem secreta.

Dizer muito é dizer para poucos.
Pois somente poucos,
dentro de si,
realizam o dito.

No tempo que for...
 
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