segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Lua como aquela

segunda-feira, 20 de setembro de 2010 2
Qualquer apaixonado dirá que não houve lua
como aquela.

Pois não há lua mais alta
e mais branca
que a lua que se desnuda,
em um beijo apaixonado.

E os novos amantes,
curiosos e descobertos pela luz da lua,
esticam em uníssono suas cabecinhas
para sonharem juntos da janela.

E ela então lhes devolve a nobreza,
e os corpos nus se arrepiam de candura,
pois afinal nunca jamais houve
uma lua mais lua como aquela.

domingo, 5 de setembro de 2010

Da arte do conselho

domingo, 5 de setembro de 2010 0


Dizem que sou bom conselheiro. E reconheço que meus conselhos são bons, embora o não sejam pelo motivo em que acreditam justificá-los.

Faço-me entender?

Sou bom conselheiro não por eu ser um conselheiro em si, mas por ver claramente o conselho no outro.

Ficou claro? Não?

À cabeceira da minha cama não se deitam livros de autoajuda. Tampouco me esforço para ser um guru confidente e conselheiro, embora saiba que muito da compreensão que hoje tenho da vida e das pessoas adormece serelepe nos clássicos que li, nos filmes a que assisti, no teatro e na música que me tocaram. Mas esse conhecimento em si não seria nada se caso não os constituísse meus olhos e meu cérebro, se não os aplicasse, mesmo que inconscientemente, ao longo desta jornada, tornando-os bússola e termômetro de todas as minhas escolhas, de toda a minha fé ou descrença.

Já estive no fundo do poço. E cheguei a pensar em decorar o fundo do poço. Mas saí dele e voltei à luz. A experiência, unida aos clássicos, também conta à maturidade e ao equilíbrio.

Pois bem, por que sou bom conselheiro?

As pessoas aproximam-se de outras pelos motivos errados. Admiram outras pelos motivos errados. Tornam-se obcecadas, gritam seus nomes, colam pôsteres nas paredes pelos motivos errados. Estas, se não refletem o bom senso na própria vida, tampouco atingirão o sensato na vida alheia, e sempre serão mesquinhas e ordinárias em seus conselhos.

Eu, por saber cortar quem não deve trilhar ao meu lado (e ser aparentemente cruel nessas tomadas), e aproximar-se de pessoas pelos melhores motivos delas, somente tenho o que dizer de melhor sobre elas, pois são crias da minha própria escolha, são a própria razão viva do que me fez querê-las, admirá-las e torcer por seu destino.

Não sou um bom conselheiro porque apenas sei dar bons conselhos. Sou bom conselheiro porque me amparo nas melhores pessoas.
E somente a elas sou sorriso.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Juventude Roubada

quarta-feira, 18 de agosto de 2010 0
Aprendi com aquele "nature boy" a não temer um sonho, a lançar-se de corpo e alma à correnteza do desafio, a não olhar para trás para não se entristecer com as pessoas que ficaram balançando a cabeça em sinal de reprovação, chamando-nos imbecis, irresponsáveis, fora de lugar, enquanto lamentamos não terem elas entendido que a vida é tão curta e urgente.

É por você, e por todo o ímpeto que você plantou em mim e me arrasta como um tufão até hoje, fazendo-me sentir tal um cavalo alado que de repente se vê livre dos arreios e parte através da campina verde para cumprir seu destino branco e selvagem, é por você, meu querido de tão longe, que não definhei nas graças do meu pensamento e virei pó de tudo o que não arrisquei.

Por você sou um retardado. E, sendo eu um sonhador retardatário, que mesmo ousando tem lá suas garantias de formiga, sei que irei socorrê-lo um dia por ter-se adiantado tanto em seu sonho de cigarra -- e por ser você tão jovem e besta, claro --, e serei como o teu bálsamo, como a tua alegria, como a tua própria vida ressurgida de outro e mesmo jardim, como o faz o sangue doado que corre o corpo de uma existência murcha para renascê-la enfim. Porque somos compatíveis, e você não me é estranho desde seu primeiro sorriso.

E terá de volta, assim, uma fração da juventude que lhe roubei (justa troca pelo tempo que adoro dizer que perdi com você).

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Sobre a ética do Mal

sexta-feira, 23 de julho de 2010 1

Não existe "alguém faltar com ética". Ética está em tudo. Tuas considerações do Bem e do Mal são o exercício pleno da tua ética. "Faltar com ética" nada mais é que chocar-se com outra diferente da tua, e autopresumidamente melhor que a tua, ou melhor que todas as outras. Ética, portanto, nunca falta. E, a meu ver, é profunda redundância querer discutir ética. É como se um vendedor batesse à tua porta e dissesse "Tenho aqui camisas, calças, blusas e também roupas", e tu te admirasses justamente neste último item.

Já senti vontade de matar pessoas e desossá-las tal um goleiro flamenguista. Minha ética, porém, é filha de um Estado, e recuo temerariamente ante seu poder punitivo. Quando dizem, pois, que alguém falta com ética, não é esta que falta, e sim a coragem dos que, vigiados por um Estado, não ousam exercer a plenitude de seus ódios e paixões, e por isso, recalcados, saem a dizer que tudo falta ao mundo -- amor, respeito, ética, decência --, quando no fundo sonhariam dar a carne do ex aos cães, se não se sentissem eternamente policiados por um Estado "severo" ou pela própria consciência da culpa e arrependimento.

A maldade humana é, sim, coisa muito ética. E é salutar que esta seja uma ética de poucos. Pois, sendo ela a ética de super-herói (poucos são corajosos a ponto de assumir, e suportar, a maldade dentro de si), nada lhe falta senão a humildade, e um mundo sem pessoas humildes seria particularmente odioso e inóspito a quem se habitou a elevar-se e flanar pela existência pisando delicadamente sobre várias cabecinhas ocas e assustadas.

A visão de cima dói, mas nada melhor que ser amortecido por um mundo que ignora a própria maldição. Seria desesperador viver entre tantos espíritos melancólicos do "sentir muito profundamente". Por isso me alegro, verdadeiramente me alegro, quando posso acompanhar, por detrás das cortinas semicerradas da janela de casa, a minha velha vizinha gorda a cantarolar uma música qualquer enquanto lava, tão alheia aos mistérios de tudo, a sua encardida calçada.

Ela é tão feliz, mas tão feliz, que minha maldade nunca jamais poderia penetrá-la. E mesmo se viessem a assustá-la dizendo que a água um dia será finda, ela afirmará que este dia não será dela (sem reconhecer o Mal nisso, claro), e ainda observará que o oceano é grande e azul (sem ocupar-se do Sal nisso, claro). E que não destruam a felicidade de minha vizinha!

Deixem-na cantarolar, desperdiçar recursos e ligar a TV para indignar-se com a falta de amor ao próximo, sempre ao assistir às notícias de um crime (oras!) passional. Carrego por ela a melancolia dos séculos, a assustadora verdade insuspeita, o grande terror pelo destino miserável de toda a sua família.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Notas de coração

segunda-feira, 19 de julho de 2010 0
Ao sentir o delicado aroma de um perfume borrifando-o na pele, não se deixe levar pelas primeiras moléculas. Estas são as notas de cabeça, ou notas de entrada, e evaporam-se em menos de três minutos. O verdadeiro aroma vem depois, nas notas de coração, as quais permanecem na pele de cinco a oito horas, e são, pois, a essência do perfume.

E como as metáforas também têm lá sua delicadeza cítrica, teu nariz será levado a torcer a quem professar que a primeira impressão é a que fica.

E saberá tratar-se de um ignorante de cheiros e coração...

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Sobre campos minados e estilhaços sentimentais

segunda-feira, 5 de julho de 2010 0


Proteja-se dos destroços quanto tudo vier aos ares. Porque não adianta o quanto você sinalize um campo minado, todos marcham em direção às bombas, confiando que o amor é capaz de desarmá-las todas. Explodir junto só porque você aprendeu que amigo é aquele que nunca abandona outro? Bobagem!


Se puderem, arrancam seus braços e pernas para compensar os membros amputados. Por isso, que cada um lide com as próprias bombas, pois, afinal, estas são metáforas das decisões que cada um toma. Se tais decisões do outro falam ao coração, junte-se à armada. Se não, debande-se o mais rápido que puder, a fim de não ser atingido pelos estilhaços.


Ou seja hipócrita e conviva, pois a grande farsa do mundo atual é não importar-se com nada, ou, melhor, não importar-se com as escolhas -- tão inalienáveis -- que definem o espírito e o destino de alguém. Conviver e não se envolver, aproveitando os frutos e evitando as podas. Apenas não se engane, contudo, ao acreditar que as escolhas da pessoa ao lado não irão definir você.


Elas dizem mais sobre quem se silencia do que sobre quem cegamente as leva a cabo.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Allen Ad Eternum

quarta-feira, 30 de junho de 2010 0



Woody Allen já está na estrada há mais de 40 anos e, apesar de seus tropeços, é tocante como ainda não mostra sinais de que vai parar -- ou mesmo diminuir o ritmo de sua produção --, e como ainda pode desfilar momentos de genialidade muito acima da média dos jovens diretores de nosso tempo.

Grande presença em Cannes este ano, ele há muito tornou-se um tipo de caricatura de si mesmo, franzino e de óculos de aros grossos, sempre com aquele ar melancólico de um senil aparentemente inofensivo. Mas que não se enganem! Ele é uma metralhadora implacável. Perguntado, na coletiva de imprensa, sobre o que ele pensava sobre a morte (jornalistas são mesmo um prato cheio para o humor, não?), ele foi fiel ao estilo que o consagrou em vida:

A morte? Sou totalmente contra.

Neste novo filme -- Whatever works --, cujo roteiro (dele próprio!) data originalmente de 1977, ele também é preciso ao optar por uma direção discreta. Opção que passaria por natural, caso eu não tivesse acabado de sair de uma sessão de "cinema emo" (Os famosos e os duendes da morte), filme brasileiro de "sensações" que pareceu ter nascido apenas para provar o talento do debutante diretor em mexer com filtros, granulados e silêncio. E este último elemento deveria ter sido mais explorado, visto que o filme não tinha mesmo muito a dizer. Ser sensível, para muitos, é apenas sugerir que, em algum ponto d'alma, existe uma profunda inteligência e compreensão de tudo e de todos, quando na verdade é apenas um desalento fruto da própria inércia existencial.

Woody Allen, ao contrário, não apenas sugere, como disseca graciosamente, e com verborragia muitas vezes excessiva, essa miséria humana encantadora. E nem por isso é de todo pessimista. Para ele, sempre há uma forma de libertação (ele é totalmente contra a morte, ok?), e é isso justamente em que consiste sua comédia: mesmo marchando rumo à autodescoberta e, por consequência, à sua libertação, o ser humano é um perfeito estúpido, sempre amarrado à "sorte" de um destino que não prima pela justiça ou coerência.

Portanto, antes de apreciar emos entediados masturbando-se no chuveiro, ou pegar-se chorando pela sensibilidade oca e poética de um Universo cruel e safadinho, busque compreender que tudo faz parte de uma grande farsa idealizada por homens tão estúpidos quanto você, mas que tiveram (ou não?) muito mais "sorte".

Como diz o protagonista rabugento do filme, ao derrubar a quarta parede e apontar o dedo para a plateia, todos ali -- e olha que havia muita gente "cabeça", viu?! -- tinham acabado de comprar ingressos para que algum produtor de Hollywood pudesse aumentar sua piscina.

Que ele construa um parque aquático no quintal, se ao menos me devolver um novo filme de Woody Allen.
 
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