sábado, 6 de junho de 2009

Rastros

sábado, 6 de junho de 2009
Meus olhos cravaram nele uma espécie de marcação, quer luminosa, quer aromática, que o faria desenhar um rastro durante toda a noite à minha perseguição.

Enfiei os olhos na nuca e o vi passar detrás. Segui a trilha e, vendo-o parado, me postei ao lado, como quem divide a mesma linha do horizonte colando as estrelas à sorte de qualquer abotoadura.

Como ouso esquecer o que disse a ele? Só me lembra o sorriso acanhado, o gesto renitente, os olhos querendo medir. Com o tempo, porém, confiou ao íntimo que gostaria de mim, atenuou o ímpeto e aceitou a companhia, desvencilhando-se vez ou outra de um aperto, ou de um rosto mais colado.

Foi toda a noite a estátua da inocência. Eu, há tempo libertino, me aborreci com a demora, com a procrastinação, e desanuviei no ar, com a mão impaciente, a mínima suspeita de que tivesse aquele encontro traços do autor maior, que dita antes ao coração que aos lábios sequiosos.

Lascivo contrariado, despedi-me abrupto, pedindo para que não me procurasse mais, pois por duas vezes, depois de perdidos um do outro por iniciativa minha, ele inventara de me achar de novo, assim casualmente, o que — e não é difícil presumirem — me acendeu novamente, e por duas vezes, as intenções.

Resolvido a apagá-las de vez, saí sozinho, deixando, agora eu, um rastro de fúria que não se podia seguir senão pelo olhar dele, de anjo paralisado pela contemplação do primeiro voo do diabo.

Um comentário:

  1. O.oO gracioso seu texto/conto, cheio de lirismo, rastros, em alguns momentos doido, gostei da sua escrita, algumas frases suas vão ficar anotadas no meu caderno “Foi toda a noite a estátua da inocência”, “Só me lembra o sorriso acanhado”.

    Abraços

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